EU e Mercosul trocam ‘bois por advogados’
10 de Maio de 2016
Por: Daniel Rittner
Pela primeira vez em 12 anos, o Mercosul e a União Europeia vão negociar um acordo de livre comércio com base em propostas concretas de abertura dos seus mercados. A aguardada troca de ofertas entre os dois blocos ocorrerá finalmente amanhã, em Bruxelas, em rápido encontro das equipes técnicas que discutem o acordo. O evento será discreto, sem a presença de ministros ou representantes políticos.
Segundo interlocutores dos dois lados, o terremoto político no Brasil pode até afetar mais adiante o processo de barganha que caracteriza esse tipo de negociação, mas não tem influência imediata. Na prática, as ofertas já estavam prontas desde o ano passado e a UE só esperava um sinal verde de seus 28 membros para coloca-la sobre a mesa.
É imensa, em ambos os lados, a expectativa para ter acesso aos detalhes de cada proposta. Os negociadores sul-americanos têm especial interesse em conhecer o grau de abertura que os europeus estão dispostos a ceder em produtos como carne bovina, carne de frango, milho, açúcar e etanol todos eles considerados prioridades absolutas para o Brasil.
Para a Argentina, é importante saber as condições de acesso para o trigo. O Uruguai está de olho em aumentar as exportações de carne ovina. Em todos os casos, não basta ver em que medida a UE está disposta a reduzir suas tarifas para as mercadorias do Mercosul, mas se pretende impor cotas ao acesso privilegiado desses produtos e qual será a quantidade exata de toneladas permitidas com um desconto nas tarifas.
Os europeus também elegeram suas prioridades nas negociações. Além de maior acesso a bens industriais no mercado sul-americano, estão particularmente interessados na proposta do Mercosul para as áreas de serviços e compras governamentais.
Os países da UE querem participar em condições de igualdade das licitações públicas, especialmente no Brasil, recebendo tratamento equivalente ao de empresas nacionais. Eles cobiçam ainda restrições menores para a atuação de escritórios de advocacia e de empreiteiras com sede na Europa. Reclamam que exigências da legislação brasileira tornam excessivamente complicada o exercício dessas atividades no país. Por isso, o acordo tem sido chamado em Bruxelas de uma troca de "milho por engenheiros" ou de "bois por advogados".
Mesmo cercada de incertezas sobre o desfecho das negociações, a troca de ofertas representa o maior avanço dos últimos 12 anos nas conversas entre UE e Mercosul. Em 2004, os dois blocos estiveram perto de um acordo, mas fizeram concessões insuficientes para chegar a um fim bem-sucedido. A proposta dos sul-americanos era reduzir, em um prazo de até 18 anos, suas tarifas para 86% dos produtos europeus. Quando as discussões foram retomadas, ficou acertado que o grau de abertura não seria inferior ao daquela época.
Os quatro fundadores do Mercosul a Venezuela não participa das negociações elaboraram uma oferta que abrange 87% do comércio. Esse percentual foi considerado excessivamente baixo pelos europeus, que racharam em torno da continuidade ou não das conversas. Prevaleceu o grupo liderado por Espanha, Portugal, Itália e Suécia. Eles defendiam a troca de propostas e ganham o apoio da Alemanha e do Reino Unido. França, Irlanda, Hungria e Lituânia integram a lista de países mais resistentes.
Após meses de indefinições, a UE conseguiu aval de seus membros para apresentar sua proposta ao Mercosul, mas certamente exigirá melhorias em troca. É justamente aí que a crise brasileira pode dificultar avanços. A Argentina tem demonstrado sérias dificuldades para aumentar sua cobertura. E ninguém sabe, diante da provável troca de governo no Brasil, qual seria a postura se, e quando, surgirem impasses.
O documento "Uma Ponte para o Futuro", roteiro do PMDB para um eventual governo do vice-presidente Michel Temer, defende que o Mercosul deixe de ser uma união aduaneira com tarifa externa comum e volte para o status de zona de livre comércio. O senador José Serra (PSDBSP), favorito para assumir o Itamaraty, também tem sido um crítico contundente das amarras do bloco para fazer novos acordos.
Ontem, em evento na Câmara Americana de Comércio (Amcham), em São Paulo, Paula Aguiar Barbosa, assessora do departamento de negociações internacionais do Itamaraty, declarou que o Mercosul fez sua "lição de casa" e apresentará proposta que cumpre os parâmetros estabelecidos para a retomada das negociações.
Segundo Paula, a oferta abrange "cerca de 90%" das exportações europeias e contempla ofertas em bens, inclusive o setor automotivo, serviços, investimentos e compras governamentais. A assessora diz que a troca de ofertas entre os dois blocos deve ser o primeiro passo para a retomada efetiva das negociações. (Colaborou Marta Watanabe, de São Paulo)
Fonte: Valor Econômico