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Europa enfrenta “inundação” de leite

17 de Maio de 2016

Por: Assis Moreira

Quem chega à fazenda de 80 hectares de Leon Backs, em Rutten, no centro da Holanda e a uma hora de Amsterdã, não vê vacas e sim campos de tulipas de diversas cores. O pasto está quase todo plantado com essa flor que faz o país ser chamado de floricultura do mundo. As 120 vacas estão concentradas no estábulo ao lado da residência, e só se deslocam ali dentro para serem ordenhadas por dois robôs.

"A situação está difícil, tive que alugar muitos hectares a produtores de tulipas para compensar a perda com o leite", diz Leon, 35 anos de idade, que trabalha sozinho, na fazenda que comprou do pai em 2009. Ele conta que há dois anos recebia € 0,40 por quilo de leite, mas agora o preço despencou para € 0,25. Alugando o pasto para produção de tulipas, ele embolsa € 2.750 (R$ 11.200) ao ano por hectare.

Isso ocorre porque a Europa foi "inundada" por leite, um ano depois do fim do sistema de cotas que limitava a produção no setor. A história de Leon ilustra a crise que vivem atualmente os produtores europeus, desde que, a partir de abril de 2015, passaram a poder produzir e exportar o quanto desejarem.

Na expectativa dessa liberalização, criadores, sobretudo na Holanda, Bélgica, Dinamarca e Irlanda, compraram mais vacas e mais terras, produzindo mais para conquistar novos mercados, em particular a China. Mas, já em 2014, a Rússia havia decretado um embargo aos produtos agrícolas europeus, fechando um mercado para os queijos do velho continente. Além disso, a China, maior importadora mundial de leite em pó, freou bruscamente suas importações do produto. E o clima favorável ajudou os concorrentes Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos a aumentarem sua produção.

Os preços no mercado internacional, que começaram a cair no fim de 2014, degringolaram com a superprodução europeia. Só em outubro de 2015 a Irlanda elevou seu volume de leite em 48% e a Holanda, em 16,8%. Entre janeiro e fevereiro deste ano, a alta do volume na Europa fez a produção global crescer 3,4%.

"Produzimos 1,7 milhão de toneladas a mais em pouco tempo, e o excesso de oferta nos impede de obter preço remunerador, ameaça fazendas e estruturas regionais", diz Regina Reiterer, assessora do European Milk Board (EMB), que reúne produtores de 15 países.

Além da derrubada de preços, a situação agravou-­se com a alta dos custos de produção. Segundo o EMB, as perdas são "inacreditáveis". O exemplo mais cruel vem da Alemanha, o maior produtor: custa € 0,4494 produzir um quilo de leite, mas o produtor recebe € 0,2866 pelo produto. Ou seja, apenas 64% dos custos estão cobertos pelo preço recebido.

Depois que milhares de produtores bloquearam o centro de Bruxelas, sede da UE, com tratores e queimaram fardos de feno, atraíram a atenção para a crise no setor. Recentemente, a UE aprovou um plano de restrição voluntária de produção em troca de ajuda para melhorar a imagem do setor, por exemplo. Mas associações de produtores dizem que, sem coordenação, os cortes voluntários de produção não funcionam. "Um país pode reduzir seu volume, mas outro continuar a aumentar sua produção", afirma Reitener, da EMB.

A produção global de leite e produtos lácteos alcançou 800,7 milhões de toneladas em 2015. A União Europeia (UE) produz cerca de 20% desse total, segundo a FAO, a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. As exportações globais somaram US$ 71,3 bilhões ano passado, e os europeus exportaram US$ 17,8 bilhões.

A Holanda, pequeno país de 17 milhões de habitantes, é um dos maiores produtores de lácteos da Europa. O setor, no país, representa € 12 bilhões. Cerca de 35% da produção é consumida internamente, 45% exportada a outros países da Europa e 20% para o resto do mundo.

Os holandeses prepararam­-se para o fim do regime de cotas, para produzir mais e tomar rapidamente fatias de mercado. A produção, que somara 11 bilhões de quilos de leite em 2010, pulou para 13,5 bilhões de quilos em 2015. E aproxima-­se rapidamente da meta de 14 bilhões de quilos que era prevista para 2020. Mas seus produtores alegam que reduzir os volumes não terá efeito no preço internacional porque representam só 2% do total global.

Os pecuaristas holandeses são conhecidos pela alta produtividade no setor. O rebanho médio no país é de 80 vacas. Enquanto uma vaca produz 6.777 quilos de leite por ano na média europeia, na Holanda, o volume chega a 9.500 quilos por ano.

Na sua fazenda em Rutten, na região de Noordoostpolder, onde o governo barrou o mar com diques e obteve terra para a agricultura a partir de 1946, Leon Backs conta que o preço do hectare chegou a € 90 mil (R$ 361 mil) comparado a € 60 mil (R$ 241 mil) na média em outras regiões, reflexo da procura por mais espaço para as vacas leiteiras.

No entanto, com a queda de preço do leite, o rebanho holandês, de 1,6 milhão de vacas, tem hoje 50 mil a mais do que necessário, segundo Jan van Beekhuizen, chefe do setor de lácteos no Rabobank. E o valor de uma vaca caiu 50% em um ano, para 1 mil euros (R$ 4 mil).

Enquanto mostra suas vacas, da raça swedish red, Leon Backs não esconde a inquietação. Ele dá um suspiro de alívio ao observar que suas despesas não são maiores porque trabalha sozinho e tem dois robôs para a ordenha, ao custo de € 100 mil cada um. Mas diz que, se a situação não se estabilizar nos próximos meses, terá de pedir empréstimo bancário. "Até agora estou usando a poupança que vem de 2014, mas vai chegar um momento em que a coisa vai apertar", afirma.

Jan, do Rabobank, diz que, atualmente, se os produtores de leite pagam os juros já é um bom sinal. "Entendemos que a crise pode atrasar o pagamento do principal da dívida", disse. Para ele, "é só um ciclo que está se desenvolvendo", ou seja, cedo ou tarde os preços vão se reequilibrar.

Mas Egbert Koersen, que cria 80 vacas em 50 hectares, acredita que o problema é que os holandeses são obcecados por crescer e crescer. "Pensamos na quantidade, não na qualidade, e queremos sempre produzir e vender mais", diz o produtor de Heerenbroek, leste da Holanda, enquanto serve leite de suas vacas, com café, na cozinha de sua residência. "Aumentamos demais a produção, e agora temos que sair dessa".

Koersen conta que obteve financiamento pelo prazo de cinco anos pagando juro de 2,7% ao ano para três quartos do capital e de 1,8% pela taxa Euribor (juro de referência do mercado do euro) para o restante. Presidente da cooperativa Rouveen, ele diz que os produtores têm a chance de receber remuneração um pouquinho melhor pelo quilo de leite, por volta de 5%, porque vendem para suas respectivas cooperativas. As 50 vacas de Koersen produzem 700 mil quilos de leite por ano.

Com a crise, ele alimenta um plano: converter-­se para a produção orgânica. "Com o leite orgânico, dá para ganhar 30% a mais", diz. Ao que Jan, do banco, ressalva que passar para esse tipo de produção demanda um período de transição de pelo menos dois anos.

Outra discussão hoje na Holanda é sobre a imagem do leite. Cerca de 30% da produção vem de vacas que passam a maior parte do ano no estábulo. Os produtores que deixam suas vacas mais tempo pastando conseguem receber atualmente € 1 a mais por 100 quilos de leite. O consumidor é informado sobre o método de produção do leite.

Leon e Koersen não veem problemas para o bem-­estar animal com a produção no estábulo, que no verão tem ventilador e outros "confortos". Mas reconhecem o apelo para o público da imagem da vaca pastando, mesmo que não considerem que isso influencie a qualidade do leite.

Para a FrieslandCampina, maior cooperativa da Europa e quinto player mundial em lácteos, 2016 continuará sendo um ano ainda de muito desafio por causa da enorme oferta de leite e da menor demanda. Mas a expectativa da empresa é de que o excedente decline e a demanda volte a melhorar, especialmente nas regiões com pouca capacidade de produção de lácteos. "Os preços internacionais estão em níveis historicamente baixos, e as oportunidades de exportação vão aumentar de novo para a Europa".

Kevin Bellamy, do Rabobank, reputado analista do setor, estima que, diante da queda de preços, o crescimento da oferta nas regiões produtoras tende a desacelerar. O banco avalia que, ao longo do ano, o consumo de lácteos deve continuar crescendo na Ásia, EUA e Europa. A exceção é o Brasil ­afetado pela recessão e pela menor produção de leite.

Para a Associação de Produtores de Leite dos EUA, há sete razões para uma recuperação global não ser iminente: a fragilidade da economia mundial, o elevado estoque de lácteos, a persistente alta produção na Europa, o baixo nível de importações pela China, a estagnação dos preços, problemas relacionados ao clima e pouca demanda.

 

Fonte: Valor Econômico


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