Operação lenta e defasada
18 de Maio de 2016
Por: Martha San Juan França
Enquanto um pedido de patente leva em média quatro anos para ser analisado nos países mais desenvolvidos, o Brasil leva mais de oito anos para realizar a mesma tarefa, sem contar o prazo de sigilo, o que totaliza mais de dez anos. A demora está no início do exame de solicitação, devido ao grande número de pedidos que aguardam na fila do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pelo registro. Atualmente, o INPI acumula 211 mil pedidos de patentes para serem avaliados. Os mais antigos são da área de tecnologia da informação, alguns de quase quinze anos e, provavelmente, já obsoletos.
"Faltam ao INPI estrutura humana e material para examinar os pedidos de patentes, marcas e desenhos industriais, bem como para atender adequadamente a todas as suas atribuições", reclamam 21 entidades empresariais em carta aberta dirigida ao presidente interino da República, Michel Temer. "O instituto está sem recursos humanos e financeiros, sem a possibilidade de investir em capacitação técnica e, portanto, em condições muito inferiores aos escritórios de patente dos países mais inovadores."
A carta foi apresentada no seminário "O papel do INPI nos vinte anos da Lei de Propriedade Industrial", realizado na segunda-feira em São Paulo. Para o setor industrial, a falta de celeridade na concessão de patentes é uma das maiores barreiras comerciais para empresas que pretendem investir e competir no mercado brasileiro. Representando as entidades, o presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Britto, lembrou que, "apesar de duas décadas terem se passado desde a criação da Lei de Propriedade Industrial, ainda estamos distantes de ser um país que promove a inovação de forma realmente competitiva".
O governo reconhece a importância do papel do INPI no contexto jurídico e econômico do país e as dificuldades do órgão, afirmou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio, Fernando de Magalhães Furlan, representando o novo ministro Marcos Pereira. O presidente do INPI, Luiz Otávio Pimentel, fez uma radiografia dos problemas que levaram à atual situação. Segundo ele, o backlog, pilha de pedidos acumulada ao longo dos anos aguardando análise, é um dos problemas mais graves do INPI.
"O instituto precisa aumentar o quadro profissional e modernizar os processos internos em todas as áreas", resume Pimentel. O INPI tem 1.820 vagas para servidores, mas menos de 950 estão ocupadas. Recentemente foi realizado concurso mas nem todos os aprovados foram convocados. Existem 190 examinadores em exercício, metade do necessário considerando uma média de 33 mil novos pedidos de patentes por ano, portanto, sem contar o backlog. Até 2019, o órgão receberá 200 mil pedidos. Atualmente, há mais de 50 mil pedidos de patentes válidas, um número muito abaixo dos países considerados referência em inovação.
"O European Patent Office (EPO) tem 4.200 examinadores; o Japão tem 1.200", compara Maria Carmen de Souza Britto, presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI). "Mesmo considerando que o número de depósitos é bem maior, dá uma média de 90 pedidos aprovados na Europa e 160 no Japão." A meta brasileira é chegar a 65 pedidos por ano. Maria Carmen reconhece que os examinadores do INPI são altamente qualificados, mas faltam recursos e infraestrutura para que possam agilizar os processos de trabalho.
Uma das reivindicações é a aprovação de consultorias externas e flexibilização na forma de contratação, hoje engessada pela Lei 8.666 que retira dos profissionais o incentivo para progredir na carreira. Além disso, o treinamento em tecnologias mais recentes. Os examinadores, apesar de sua qualificação, perdem condições técnicas e atualizações profissionais. "Trabalhamos com tecnologias velhas, precisamos de capacitação mais moderna e investimento em otimização e automação do processo de trabalho, além de instalações mais adequadas", admite Pimentel.
O presidente do INPI lembrou que foram tomadas algumas medidas especiais para agilizar os exames de patentes. Entre elas, o projeto Prioritário BR, cujo objetivo é garantir que um pedido de patente inovadora depositado originalmente no instituto, mas com depósito equivalente em outro país, receba tratamento prioritário. Em janeiro, foi criado o projeto-piloto Patent Prosecution Highway (PPH) com os EUA, segundo o qual brasileiros podem utilizar o resultado do exame do pedido naquele país para acelerar a análise no Brasil e vice-versa. O órgão também está em negociação para outros PPHs com o escritório de patentes europeu, japonês e no continente.
O INPI criou uma força-tarefa para auxiliar na redução do estoque de exames e está revendo procedimentos, além de implantar projetos-piloto nas regionais e trabalho em casa (home office) que resultaram em um ganho de 5% a 15% de produtividade. Uma das principais reivindicações é alcançar a autonomia administrativa e financeira do instituto. Hoje, em vez de serem usadas na manutenção e aperfeiçoamento do próprio instituto, o dinheiro arrecadado com as taxas de custos dos registros são contingenciadas para fazer o chamado superávit primário.
"Todos esses esforços não são suficientes para mudar o quadro", contrapõe Britto, da Interfarma. Ele lembra que o backlog precisa ser encarado agora para que o INPI possa começar a funcionar normalmente. "Se nenhum pedido de patente entrar no instituto a partir de hoje, pelos números atuais de processos para cada examinador, levará vinte anos para zerar a conta", disse.
Segundo Britto, o primeiro desses defeitos originais é a falta de estrutura. "Um órgão que mexe com tecnologias que se alteram a cada segundo não pode ter uma estrutura medieval de contratação de pessoas, de processos e de equipamentos. A existência jurídica do INPI é contraditória com o nome e as funções que exerce." Britto ainda completou: "Temos um instituto que funciona como um Ford 38 para fiscalizar uma corrida de Fórmula 1."
Para as entidades que assinam a carta aberta ao presidente, é preciso que o governo reconheça no INPI uma instância estratégica para estimular o desenvolvimento econômico. "Não existe país desenvolvido sem um escritório de propriedade industrial autônomo", dizem as entidades.
Fonte: Valor Econômico