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ALANAC - Notícias do Setor

Corrida por vacina contra vírus da zika movimenta laboratórios pelo mundo

21 de Fevereiro de 2016

Por: Gabriel Alves

Ainda há alguns lapsos na investigação sobre o vírus da zika, como a comprovação de que ele de fato causa microcefalia em bebês, mas a corrida por uma vacina já movimenta laboratórios e farmacêuticas pelo mundo. A OMS (Organização Mundial da Saúde) relata que existem ao menos 15 iniciativas para desenvolver a vacina.

O processo, porém, ainda tem que percorrer um longo caminho. Não teremos tanta sorte quanto no caso da epidemia causada pelo vírus H1N1 em 2009 – a vacina ficou pronta apenas seis meses após a identificação do vírus.

"A tecnologia já estava incorporada, e o método de inativação do vírus, bem estabelecido. Havia fábricas produzindo vacina contra gripe em várias partes do mundo", relata Esper Kallas, infectologista da USP e responsável pelos testes em humanos da vacina contra a dengue da colaboração entre os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), USP e Instituto Butantan.

Para fazer a vacina da zika, saem na frente os grupos que já desenvolveram, ainda que experimentalmente, vacinas contra outros vírus da mesma família do zika (a dos flavivírus), como os que causam dengue, febre amarela e encefalite japonesa.

Já se tem ideia de como é a epidemiologia e o padrão de espalhamento dessas arboviroses (transmitidas por artrópodes, como o Aedes aegypti ). Também será mais fácil estimar quantas pessoas devem participar dos testes e o que esperar de efeitos colaterais.

A francesa Sanofi, primeira a obter licença para vender uma vacina contra dengue, já divulgou sua intenção de entrar na corrida imunológica.

A ideia da empresa, disse à Folha Nicholas Jackson, chefe de pesquisa da farmacêutica na França, é justamente usar a mesma plataforma da vacina da dengue. O método consiste em substituir partes do vírus da febre amarela para que ele adquira a "cara" do vírus da zika.

Jackson também afirma que houve discussões com o governo brasileiro para montar uma parceria e que espera uma aceleração dos trâmites regulatórios, um dos pontos marcantes no caminho percorrido pelas vacinas contra a dengue no país.

A burocracia é uma preocupação de Kallas, que diz ter sofrido com as pendências levantadas na avaliação dos relatórios do estudo da vacina brasileira da dengue. "Cada relatório é uma novela."

A expectativa é que, com a urgência da situação, haja pressão para que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) consolidem uma "via rápida" de análise.

Mão na massa

A dificuldade no caso da dengue era fazer uma vacina que protegesse contra todos os quatro sorotipos do vírus. A zika, por sorte, tem só um, o que deve facilitar o processo.

Até agora, porém, houve poucos relatos de testes em animais. Em um anúncio independente, sem grande respaldo científico, a farmacêutica Inovio (EUA) diz ter imunizado camundongos com uma vacina de DNA (veja infográfico). Para essa modalidade, ainda há poucas regras estabelecidas, um desafio a ser superado caso a alternativa se mostre promissora.

A indiana Bapta Pharma tem duas possíveis candidatas em vista: uma recombinante atenuada (como as outras vacinas contra a dengue mais próximas de serem lançadas) e uma inativada, com vírus morto. Em nota, a empresa afirma que os testes em animais já começaram.

No Butantan, grupos de pesquisa foram reorganizados para tentar produzir a vacina, um teste rápido que detecte a zika além da fase de infecção aguda e um soro antizika que poderá ser usado para tratar grávidas infectadas, diz Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância.

O Butantan deve entrar com dois cavalos no páreo: uma vacina com vírus atenuado, em parceria com os NIH, e outra baseada em vírus inativado, tal como a da Bapta Pharma.

Apesar do anseio da população e do anúncio por parte do ministro da Saúde, Marcelo Castro, de que os testes em humanos poderiam começar em um ano, o mais provável é que a maior parte das vacinas leve mais de três.

Caminho contra a zika

Veja as etapas necessárias para iniciar a produção das novas vacinas

Origem

Tudo começa com o vírus –a vacina deve surgir de alguma forma dessas partículas. Todas as estratégias necessitarão de um bom e confiável estoque de vírus, que pode ser cultivado em laboratório.

Nada se cria

O conhecimento anterior sempre é reaproveitado. Os cientistas que trabalharam com a vacina contra a dengue (a maior parte ainda não lançada) e outras arboviroses tem uma boa ideia de como cultivar os vírus, manuseá-­los e testá-­los.

Animais

Depois de ter uma ideia, é necessário testá-­las. Os vírus são injetados nos bichinhos (camundongos, ratos e coelhos são bastante usados) para ver se a resposta imunológica –geração de anticorpos e recrutamento de células de defesa– está acontecendo.

Eficácia

Depois, é a hora do desafio. Os animais (alguns são capazes de desenvolver a virose) são expostos ao vírus e mede­-se o nível de proteção alcançado para várias doses da vacina. Se a vacina não funciona, ela pode ser descartada. Pode haver dezenas de candidatas.

Toxicidade

Se funcionar, é preciso que ela não seja tóxica, o que pode ser observado analisando órgãos como cérebro e fígado. No caso da vacina da zika, haverá um cuidado especial com os efeitos nos fetos das fêmeas prenhes dos animais de experimentação.

Antes de nós

Antes dos testes em humanos, é preciso que haja testes em animais com um lote da vacina fabricado com "boas práticas de manufatura", ou BPM, para garantir que é o vírus e não um contaminante, por exemplo, que está provocando os efeitos observados.

Testes clínicos

Se tudo deu certo nos testes com diferentes espécies de mamíferos, os testes com humanos podem ser iniciados. Primeiro, com menos gente para testar doses e avaliar segurança. Depois, mais voluntários (milhares) participam para avaliar a eficácia e efeitos colaterais mais raros.

 

Fonte: Folha de São Paulo


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